Maurício Carvalho
ANOREXIA NERVOSA – PARTE UM: Como a história define o mal do século
O ato de jejuar foi considerado por muitos séculos como sagrado, uma forma verdadeira de se entrar em comunhão com Deus e garantir a santidade.

Se bem observarmos os relatos históricos deixados em toda Idade Média, será possível compreender o fato de tantas, ou porque não afirmar, centenas de moças deixarem de comer para sofrer como Jesus Cristo. Casos, por exemplo, das mulheres que ficaram conhecidas como Santa Clara de Assis (1193-1253) e Santa Rosa de Lima (1586-1617), sendo esta última peruana. Só assim acreditavam entrar em verdadeira comunhão com Deus.
Santa Catarina de Siena que aos 15 anos, após a morte de sua irmã e diante de projetos futuros de casamento, iniciou restrição alimentar, preces e práticas de auto-flagelamento, chegando a induzir vômito através de ervas e galhos na garganta quando forçada a alimentar-se. Catarina havia feito um voto de castidade quando ainda era criança. A inanição haveria gerado um estado psicológico de constante vigília e experiências místicas, vindo a falecer de desnutrição aos 32 anos. - Foto: Divulgação.
Em absoluta dedicação votiva, a história cristã traz em seu bojo a adolescente italiana Catarina Benincasa, filha de um artesão da Toscana, que não conseguia mais comer. Muito magra e extremamente pálida, ingeria por dia um pedaço de pão com ervas cruas. Em diferentes situações, o estômago da jovem não suportava nem esse pouco e ela logo vomitava. Catarina não tinha nenhuma obsessão por se manter esteticamente bela ou mesmo sustentar um corpo esbelto. Longe disso, não era seu foco e pouco se importava com a beleza física. Mais tarde, ficou conhecida como Santa Catarina de Siena (1347-1380) e virou uma das jejuadoras mais ilustre da história. Hoje, historiadores denominam esse tipo de comportamento de “anorexia santa”, que tem sintomas parecidos com os da moderna “anorexia nervosa”.
A doença, da atualidade, é considerada um transtorno no comportamento alimentar que se caracteriza por uma grave restrição de ingestão de alimentos. A pessoa gravemente afetada – na maioria mulheres – investe toda sua força e energia em uma busca incessante pela magreza e, consequentemente é acometida por uma alarmante distorção na imagem corporal.
Frente ao tema, mais adiante nos aprofundaremos apresentando as lascivas armadilhas que tem ceifado a vida “tenra”, por assim dizer, de algumas vítimas em constante evidência, seja está na imprensa nacional ou internacional. O mais chocante, portanto, é que em sua grande maioria, mulheres ainda na puberdade, bem-sucedidas e envolvidas principalmente com o mundo da moda são as mais afetadas.
“Através dos séculos, os médicos depararam com sinais e sintomas similares, mas suas interpretações foram coloridas pelas crenças da sociedade em que viveram”, diz o médico inglês J.M. Lacey, autor de um artigo sobre o tema para o British Medical Journal.
A Bíblia está repleta de casos de jejuns voluntários praticados, dentre os mais destacados na Sagrada Escrituras encontramos Moisés e Jesus Cristo que levaram em média 40 dias sem se alimentar. Foto: Divulgação.
Mesmo com toda a inovação tecnológica em torno do ciberespaço – internet – ainda se entende que é aceitável o hábito de jejuar, existente na história ocidental desde o Egito antigo. Durante o período pré-cristão, os que decidiam serem iniciados nos mistérios dos deuses Isis e Osíris – deidades egípcias mais veneradas – deveriam submeter-se a um rigoroso jejum. A Bíblia está repleta de casos de jejuns voluntários praticados, dentre os mais destacados na Sagrada Escritura encontramos Moisés e Jesus Cristo que levaram em média 40 dias sem se alimentar. Até no Oriente, reza a lenda que Sidharta Gautama, o Buda histórico, jejuou intensamente antes de atingir a iluminação. Mesmo quem desconhecia o jejum para fins místicos, como os gregos, o adotavam. Hipócrates (460-370 a.C.), por exemplo, o receitava como tratamento de doenças.
Segundo a psicanalista Cybelle Weinberg e o psiquiatra Táki Cordás, autores do livro “Do Altar às Passarelas – Da Anorexia Santa à Anorexia Nervosa”, admitidamente sustentam que depois da Idade Média a Igreja começou a ver com maus olhos os casos das santas jejuadoras. Para os autores poderia ser possessão diabólica, e não santidade e, com esse manifesto por parte da Corte Eclesiástica da época, o hábito caiu em desuso. Nos conventos, por exemplo, entende-se agora porque o jejum migrou para as feiras populares. No século 17, várias moças que ofereciam resistências físicas, passavam semanas sem comer e se apresentavam para as multidões como atração e eram notadas como as “virgens jejuadoras”. Uma delas, a inglesa Martha Taylor, de 19 anos, dizia ter jejuado por 13 meses. No século 19, outra virgem, Sara Jacobs, teve um fim trágico. Aos 10 anos, foi posta pelos pais como atração de circo nos Estados Unidos, mas acabou morrendo aos 12 de inanição. Os pais de Sara, considerados culpados de negligência, foram condenados a trabalhos forçados.
Sobre o autor: Maurício Carvalho de Sousa é Jornalista Profissional, Escritor, Professor de Direito Civil, Processual Civil, Penal e Processual Penal. Pós-Graduado e Especializado em: Direito Civil e Penal Brasileiro aplicado à Perícia Criminal; Balística Forense aplicada à Perícia Criminal; Biologia Forense; Acidente de Trânsito; Criminalística aplicada à Perícia; Medicina Legal; Psicologia Forense; Papiloscopia Forense; Fotografia Forense; Antropologia Criminal; Odonto Legal; Genética Forense; Informática Forense; Toxicologia Forense, Tribunal do Júri e Mestre em Literatura.
COMENTÁRIOS